Importância da análise de risco

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Flávio Pangrácio
Flávio Pangrácio

Para falar sobre a importância da análise de risco, é essencial iniciar com um exemplo de fracasso: o das principais agências de classificação de risco dos EUA, em 2008.

Em 23 de outubro de 2008, o mercado de ações dos EUA já havia despencado cerca de 30%, ao longo das 5 semanas anteriores. Prestigiadas empresas, como o Lehman Brothers, haviam falido.

O índice de desemprego disparava, enquanto residências perdiam quase 40% de seu valor. Centenas de bilhões de dólares foram destinados a empresas financeiras à beira da falência. O índice de confiança no governo americano caiu para o seu mais baixo nível histórico. A Comissão de Supervisão da Câmara chamou para depor os responsáveis pelas três maiores agências de classificação de risco de crédito — Standard & Poor’s (S&P), Moody’s e Fitch Ratings. Incumbiram-lhes de avaliar a probabilidade de que trilhões de dólares em títulos lastreados em hipotecas caíssem em inadimplência.

O resultado, como sabemos, foi catastrófico. Quatro anos(2011) depois do início oficial da grande recessão, a economia americana ainda se encontrava 800 bilhões de dólares abaixo do seu potencial produtivo.¹

“[…] a melhor maneira de encarar a crise é tratá-la como um erro de avaliação: uma falha catastrófica na previsão.”, disse Nate Silver em seu famoso livro The signal and the noise. Para o estatístico que ficou conhecido por prever corretamente os resultados das eleições presidenciais de 2008 e 2012, tais erros de previsão se disseminaram por toda parte e praticamente em todos os estágios — durante, antes e depois da crise — envolvendo todos, desde as corretoras de hipotecas à Casa Branca.

Agora, vamos ao que interessa, o que levou todas essas credenciadas agências à um erro crasso: De forma geral, os erros acontecem quando ignoramos alguns fatores ou partimos de suposições equivocadas. As agências de risco tinham atribuído a classificação AAA à milhares de títulos lastreados em hipotecas, instrumentos financeiros que permitiam que investidores apostassem na probabilidade de alguém ficar inadimplente no pagamento de suas casas. Ao atribuir uma classificação AAA (título mais seguro do mercado) a um tipo especialmente complexo de título, conhecido como collateralized debt obligation(CDO)², existia uma probabilidade de apenas 0,12%(1 em 850) de que o valor não pudesse ser pago nos cinco anos seguintes. Isso, teoricamente, tornaria a CDO um título mais seguro que o Tesouro americano, por exemplo.

Na realidade, cerca de 28% das CDOs classificadas como AAA entraram em inadimplência, segundo à S&P. Ou seja, a previsão errou o índice de inadimplência em mais de 200 vezes. Trilhões de dólares em investimentos avaliados como muito seguros revelaram um altíssimo risco.

Seria o acaso, o culpado por tamanho erro? Bem, não é prudente descartar esse “azar” de situações como essa, no entanto, vamos fazer um exercício de pensamento: Imagine que o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) afirme que há 80% de chances de céu limpo em determinado dia, então você marca uma partida de futebol e chove exatamente no mesmo dia, estragando o seu compromisso. É trágico, no entanto não podemos culpar o INMET, pois os registros históricos mostram que, quando o INMET afirma que existe 20% de chance de chover, efetivamente chove em 20% das ocasiões.

Então as agências podem ser inocentadas pelo mesmo argumento? Não! No caso das CDOs, as agências de classificação de risco não tinham qualquer histórico como referência, pois se tratava de um instrumento novo do mercado. Concomitantemente, os índices de inadimplência mencionados pela S&P não tinham origem em dados históricos, mas em suposições baseadas num modelo estatístico falho.

Nesse caso, há muito mais chances de que o problema esteja no modelo de mundo concebido por quem faz a previsão do que no mundo real em si.

Para entender como esses modelos amparados pela precisão científica se saíram tão mal ao descrever a realidade, precisamos detalhar um pouco mais as CDOs e discutir sobre a diferença entre risco e incerteza.

As CDOs são conjuntos de dívidas com origem em hipotecas, que podem ser agrupadas de acordo com seu risco, algumas são de alto risco, outras completamente seguras.

Imagine que temos um conjunto de 5 hipotecas, partindo da premissa de que cada uma delas tem 5% de chances de entrar em inadimplência. Podemos criar certo número de apostas, de maneira crescente em termos de riscos, com base no status dessas hipotecas.

A aposta mais segura, que vamos chamar de grupo A, renderá ganho a não ser que todas as cinco hipotecas caiam em inadimplência. A aposta de maior risco, o grupo F, renderá ganho se nenhuma das cinco hipotecas entrar em inadimplência, ou seja, se qualquer uma entrar em inadimplência, perdemos a aposta.

Você deve se perguntar, “por que um investidor preferiria apostar no grupo F e não no A?”. Simples, pois o grupo F será vendido a um preço mais baixo para compensar o risco maior. Mas vamos supor que não queremos tamanho risco e vamos ficar com as hipotecas do grupo A.

O Grupo A consiste em cinco hipotecas, cada uma delas com 5% de probabilidade de inadimplência. Perderemos a aposta só se todas as cinco hipotecas não forem pagas. Quais são as chances?

Na realidade, não é tão fácil responder essa pergunta, e é aqui que está o grande problema. Pois, dependendo das pressuposições e estimativas adotadas por nós, teremos respostas completamente diferentes. Se partirmos das premissas erradas, nosso modelo poderá fracassar em 100% dos casos.

Um dos pressupostos considera que cada hipoteca é independente das outras. Com esse cenário, seus riscos estão diversificados, ou seja, o fato de um barbeiro em Viçosa estar inadimplente não vai exercer qualquer influência no fato de um vendedor em Ponte Nova ficar inadimplente ou não. Dada essas circunstâncias, o risco de perder nossa aposta é muito pequeno. Como perder a aposta depende da ocorrência de eventos simultâneos, temos que elevar 5% à quinta potência para encontra nossa chance de perder, que é de aproximadamente 1 chance em 3,2 milhões de casos.

O outro extremo consiste em pressupor que as hipotecas, em vez de independentes, irão se comportar exatamente do mesmo modo: ou todas as cinco hipotecas entrarão em inadimplência ou nenhuma entrará. Neste caso, teremos exatamente 5% de chance de perder a aposta. O que torna nossa aposta 160 mil vezes mais arriscada do que tínhamos imaginado no primeiro momento.

O pressuposto ideal depende muito de como está a economia, portanto, se a economia e o mercado imobiliário estivessem saudáveis, o primeiro cenário poderia ser um pressuposto sensato. Entretanto, quando agências credenciadas avaliam um título em 200 vezes mais seguro do que ele realmente é, gera uma bolha no mercado, uma confiança tão elevada que leva vários investidores para o mesmo caminho, fazendo com que o preço dos imóveis suba à números bem acima do “valor justo”, e se alguma pessoa nesse meio entra em inadimplência, pode comprometer a hipoteca de muitas outras pessoas, aumentando nosso risco em escalas de grandeza.

As agências não simplesmente erraram uma análise, elas acabaram atraindo mais pessoas para comer do mesmo fruto podre, aumentando ainda mais o impacto da subestimação do risco. De forma mais ampla, as agências foram ineficientes para diferenciar risco de incerteza.

Risco, é algo que você pode colocar um preço. É como se você estivesse prestes à ganhar uma mão de Truco com um 7 de copas (segunda maior carta), você só perde se o adversário tiver um 4 de paus (maior carta). As chances são exatamente de 1 em 12. Isso representa um risco, que não é agradável, mas que pelo menos sabemos quais as chances de perder e podemos nos preparar para tal eventualidade.

Incerteza, contudo, é o risco difícil de mensurar. Podemos até imaginar o que pode acontecer de adverso com a gente, mas não sabemos o quanto é adverso nem quando pode ocorrer. Sua estimativa pode errar em cem ou em mil vezes, não há como saber.

As agências de classificação transformaram incerteza em algo parecido com risco. Pegaram títulos de natureza nova, sujeitos a uma enorme quantidade de incerteza, e alegaram que poderiam quantificar exatamente quão arriscado eles eram. E não apenas isso: de todas as conclusões possíveis, chegaram a essa espantosa, de que eram livres de risco.

Acredito que, diante desse grande episódio de fracasso na análise de risco, e como ele quebrou economias no mundo inteiro, você deve estar querendo muito não cometer o mesmo o erro dessas agências e fazer muito bem o seu trabalho, para não se prejudicar em seus investimentos e nem induzir mais pessoas ao mesmo erro. Por isso, prepararei em breve um texto sobre quantificação de risco para você, leitor.

¹ Medido em comparação entre o PIB real e o potencial. “Real Potential Gross Domestic Product”. Congressional Budget Office. Disponível em Link.

² “Obrigação de dívida com garantia real”, em que “garantia real”é um imóvel.

Referências:

BERNANKE, Ben S. The Courage to Act: A Memoir of a Crisis and Its Aftermath. 1. ed. [S.l.]: W.W. Norton Company, 2015.

SILVER, Nate. O Sinal e o Ruído. 2. ed. [S.l.]: Intrínseca, 2013.